terça-feira, agosto 29, 2006
negro
searas de trigo
infinito de águas brancas
uma turbulência escondida
na calma aparente.
Eram anjos, pessoas, animais e vento! Muito vento!
Tanto e tão calmo.
Como se o tempo fosse o vento,
como se as palavras fossem água que se estendiam eternamente pelas searas de trigo.
Era gente, eram vozes baixas, passos vazios, ecos em surdina.
Era o tempo que era o vento que era a água. Era a água que era o meu ventre
e dele saiam todas as coisas do mundo numa estranha harmonia,
tão diferente do dia-a-dia.
Era a paz de um acordar de que nunca se acorda, o olhar de quem nunca deixou de ver.
Era o vento que era água. Era água que me corria nas veias e a minha paz eram rios feitos de mar, feitos de gente, feitos de pensamentos e todos os pensamentos eram o vento, que era o tempo que era a minha paz.
Era o meu sonho que sonhava…talvez a minha vida!
Era o tempo que era o vento!
dimensaooculta
quinta-feira, agosto 17, 2006
Guilhotinas
Alfredo Stroessner, o antigo presidente paraguaio que esteve no poder de 1954 a 1989. Morreu aos 93 anos vítima de uma pneumonia no exílio em Brasília. Mais um refúgio dourado para um ditador sul-americano que esteve envolvido na Operação Condor e foi responsável pela repressão de muitas vozes.
Em jeito de desforra, ontem a minha voz soltou-se para dizer que os sentimentos amputam qualquer tipo de verbalização. É difícil falar de tudo aquilo que se cola nas nossas entranhas, que nos impele, mas que também nos castra.
Apesar das palavras contidas e dos gestos exacerbados tu és uma pessoa muito especial para mim. E, para todos o que o sabem (mesmo sem a questão da verbalização), amo-vos muito!
P.S. Fica desde já prometido que não volto a escrever mais posts pseudo-bio-lamechas-tipo-diário-de-pita-doente-da-cabeça-e-com-problemas-inter-relacionais. Pior, e isto não é uma simples ameaça, se alguma das MDM ousar escrever textos da treta como os últimos que cá estão corto-lhes a garganta...e ficam sem o rato. Agora só coisas dignas do Abrupto, Ponto Media, Industrias Culturais e tal....
E agora, depois destes pseudo-moralismos, para acabar em beleza....
Até sempre!!!!!!
terça-feira, agosto 15, 2006
Estranho...porque se o mundo acabasse amanhã, nada disto fazia sentido porque voltariamos todos ao mesmo início! Acreditando que não se perde nada.
I
não voltaremos a pressentir o mar,
nem sequer lembraremos o turvo sal das bocas
sobre o rosto gémeo da máscara que nos esconde
louco pássaro cinza sulcando o ar rarefeito
e a escuma luminosa dos meteoros que cegam
os frementes alicerces da cidade insone
não nos reflectimos mais nos gestos desgastos
nem na demência da língua donde irrompr a alba
e nómadas continuaremos para lá do sangue
flutuantes no escuro sonho
os corpos incendiados um no outro
consomem-se formando insuspeitas constelações
vagarosamente
através dos séculos regressaremos
intactos ao nada inicial
Al Berto
O medo
dimensaooculta
Perdas & danos
Acordar tarde
tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia
segunda-feira, agosto 14, 2006
Voo de pétalas
As histórias não terminam sempre com um voo de pétalas por entre a perplexidade dos raios monásticos. Esta terminou, mas não é regra. É um ponto final, como todos, mas deixa, pelo menos, que a beleza se insinue para lá dos destroços.
Ao que tudo indica a farinha deixada à laia de desejo de abundância também não foi bem recebida. Incompreensões latentes que se unem à resistência de quem vive para sentir todos os dias. Não em dias de festa, não três vezes por semana ou bimestralmente. Sempre, intensamente, contraditoriamente. Hoje sinto menos do que em outros dias. É uma qualquer ditadura das dependências que castra o desejo de continuar. Mas, o homem tem destes subterfúgios que é continuar a arrastar-se mesmo quando já não consegue andar mais. É uma imagem terrível, de incapacidade, de abandono. Mas é também, e sobretudo, uma imagem de resistência. Sobrevive-se para lá da perda, da repressão ou das feridas. Sobrevive-se na esperança de voltar a viver.