segunda-feira, outubro 01, 2007

Túneis


19h19...e partiu...vagarosamente, como quem se despede em 'slow motion'. De repente, num fim de tarde adormecido, surge aquele pôr-do-sol. Acorda-se de imediato, na esperança de que aquele momento se preserve. O maquinista, de olhar desajustado, acelera. Olho para a frente, tento perscrutar os últimos feixes de luz que vão ficando para trás. Tarde demais. Impõe-se o casario, o arvoredo em catadupa e a negritude de um qualquer túnel que afoga a luz do sol e me coloca no centro do mundo. Olhar perdido preso ao vidro. Agora só um rosto conhecido, aparentemente o meu.
Foi assim, por entre uma passagem fugaz, que recordo o mais belo pôr-do-sol que vi. Vermelho intenso que pintou o céu, como sangue derramado que corre num qualquer beco de esquina em horário tardio. Uma intensidade que me pintou o rosto e avivou o olhar cansado. Desejava poder eternizar o momento numa simples imagem. Nada.

No dia seguinte voltei a procurar a luz, a passagem pelo rio revelou-se muito mais cinzenta, luz dissipada, sem olhar para preencher.

Há dias assim, em que nos arrepiamos. Pegámos na máquina e tentámos voltar a encontrá-los. Nada. Fica a desolação. Há sempre momentos em que temos tudo, outros em que a magia nos foge. Tentam-se guardar os reflexos de brilho da primeira vez, mas, sempre que o comboio cruza as duas margens, e é o cinzento que se revela, há algo que se perde. O brilho no olhar e a vontade estúpida de que o túnel frio não nos invada mais uma vez.