quinta-feira, dezembro 15, 2005

Promessa

Uma noite num quarto desconhecido fiz uma promessa de selar o meu estômago para não sofrer de enxaquecas matinais do jantar do dia anterior…Todos sabemos que as promessas foram feitas para não serem cumpridas e para fazer parte da maioria é claro que não fiz nada do que teria destinado.
Fui dormir com um esqueleto no armário que de tão pequenino não cabia do espaço entre a minha almofada e o meu sonho…
Não te vi chegar!
Tinhas as unhas sujas com um negro de tinta dos quadros que estiveste a pintar…Não gosto de unhas sujas mas as tuas tinham uma certa piada…até o ranho que te corria do nariz para a barba aparada no lábio superior.
Não te vi chegar mas sabia que chegarias em qualquer altura…não te espero com uma lua nas mãos, nem com uma lanterna acessa…Em uma desproporcionalidade lógica fiz a assumpção de que não serias deste mundo. Enganei-me tanto quando me enganei com a promessa que fiz!
Ninguém é deste mundo! E todos somos de lugar nenhum!
Treparei pela tua altura como quem faz escalada de olhos fechados e com as mãos cegas de ignorância, com a alma aguçada, e a memória acutilante…
Uma noite de cores e depois uma promessa não cumprida num quarto desconhecido com um estranho ausente!
Os dias ignóbeis não se tocam uns nos outros…esqueceram-se de que para amar é preciso preliminares, é preciso beijar o espaço entre o nada e abraçar o abismo entre uma parede e um corpo em chamas.
Não te arrefeço…não me pareço com a imagem que desenhas no topo da fragilidade humana, no entanto o acaso padeceu no nosso sábado sem aviso prévio estavas no meu dia, sem nenhuma alternativa encarei como uma piada…Sim o meu nome é Ana e se soubesses de todos os meus esqueletos não me terias dito com prazer que me querias voltar ver.
Uma noite para ficar confusa com uma promessa que não cumpri!
Uma manhã de sábado sem um prognóstico favorável à recuperação dessa grande metamorfose que foi a tua abordagem. E tudo o que ainda me parece normal ficou outra vez inundado por uma anormalidade tão usual e já normal nos meus dias.
Conheço sempre as pessoas mais interessantes nos lugares mais desinteressantes por mim percorridos, nos dias onde até a pele se envergonha de existir.
Não te foste embora…ficas-te sentado na cadeira com o braço apoiado na cintura à espera que o acaso volte a acontecer tão despropositado quanto o rasgão nas tuas calças.
Fui viajar sem gasolina à procura de uma entrevista para um trabalho que gosto, fui viajar para encontrar uma resposta ás minhas frustrações…acabei perdida numa estação de serviço pedindo informações a uma mulher que não era deste mundo.
Acabei numa escola de teatro, com uma peça nas mãos parada em frente a um palco a pensar que já nada mais importava!
Que o meu nome sempre foi Ana, que as minhas promessas sempre foram as mesmas, que os meus encontros sempre foram estranhos, que a minha vida sempre foi irreal, que os meus dias sempre foram pinturas, que as pessoas sempre foram insuficientes, que as conversas sempre foram formatadas, que os meus sonhos sempre foram comprados e comparados…que tudo o que escrevo são apenas pequenas esferas…Já todos sabem! E ninguém se importa de verdade…ainda sofro por isso!
A verdade é que acabamos todos por ter o estômago pintado com vinho tinto e uma ressaca por uma promessa não cumprida, ou pela obrigação de uma vida normal…
Estás sentado! Estou ausente pela obrigação da vida! Ausente pelas razões óbvias.
Dez minutos de perfeita harmonia e o meu espectáculo está prestes a começar…

dimensaooculta

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