quinta-feira, setembro 29, 2005

Palavras e números

Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.


Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.


Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.


Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.

Manuel Alegre

(Aqui ficam as palavras do deputado-poeta....já agora era bonito um presidente da república-poeta. Assim, um Palácio de Belém-tertúlia e discursos-cantigas de amigo. No dia em que a poesia se confronta mais uma vez com a rigidez dos número (uma batalha antiga) ficam as palavras da alma sensível e... os votos para o outro lá para os lados do Boliqueime)

http://www.tsf.pt/online/portugal/interior.asp?id_artigo=TSF164386

quarta-feira, setembro 28, 2005

O amor é uma coisa...a vida é outra

(O gajo lá vai dizendo algumas coisas de jeito...vai tendo dias)


Miguel Esteves Cardoso (Expresso )
"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho umacoisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muitoclaro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e á mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-ses ócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.
O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer O elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza,o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro acomer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas,a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria,maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.

Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode.
Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho dei nferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra.
A vida, às vezes, mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O Amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber.
O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.

E valê-la também."

terça-feira, setembro 27, 2005

Dias de pontaria certeira

Num dia de pontaria certeira para os lados da Guarda, por entre os tiros que resvalam pelas pedras da calçada, volta a tua recordação. Não sei se pelo sangue, se, pura e simplesmente, pela fúria que inspira os crimes. A verdade é que a tua imagem permanece, tal como resiste uma noite de sexta perdida entre os pisos da casa da Música, a viagem até Espinho e as batatas fritas à porta de minha casa.

Estranhamente, sendo a minha memória tão visual, hoje as imagens dessa noite são parcas. Ficam os sentimentos que é, como quem diz, fica tudo.

A angústia, o ódio, a inveja,....coisas que já não me lembrava de sentir. Mas, a verdade é que o homem é um ser de paradoxos. Vive apaixonado mas resiste sempre insatisfeito. Há sempre algo que falha, há sempre um olhar que falta e o teu toque que persiste.

Até sempre.

http://jpn.icicom.up.pt/2005/09/27/miguel_madeira_assassinado_devido_a_lugar_de_estacionamento.html

segunda-feira, setembro 19, 2005

Translating....

E de repente....Tóquio!
O filme ainda mal tinha arrancado e eu já estava perdida. Por entre o caos da cidade, da mão tremida, por entre a luz. E, no entanto, era só uma imagem projectada no ecrã da televisão (e,muito ao contrário da mítica japonesa, nada de cristais líquidos). Entre o sofá e as paredes da sala, a insignificância. Do lado de lá, o mundo.
O bill e a scarlett estavam aparentemente perdidos, pelo menos até se terem encontrado um ao outro. A mim consumia-me essa perdição de fachada, encerrada na busca de algo familiar. A lógica do mundo é a diferença, é eu não perceber absolutamente nada de japonês e nem precisar porque a intimidade não precisa de ser verbalizada.
Mas, quando já começava a odiar aquela relação de perdidos que só procuram mais do mesmo, surge o amor. Quando o lugar é estranho, os sentimentos entranham-se. E aqueles dois encaixavam-se bem, fosse no strip, fosse no táxi.
Olhei para eles, esquecendo o deslumbre dos edifícios, e vi-nos a nós. Pensei que um dia, tal como naquele beijo, eu vou ficar para trás, tu vais virar costas e, entre nós, ficam os outros. Um pouco como já é agora.

Saudades de casa

As fotografias têm sempre este delicado encanto de nos fazer reviver momentos. E, por entre imegens, resiste a memória. Há cerca de um ano, deliniou-se um rumo novo na minha vida. Hoje, quando a memória se afunda em imagens, resistem momentos como este. Sobrevivem as imagens, mas também as pessoas, as experiências e meio ano entre o Términi e a Fontana di Trevi.

Remangono le immagini, mancono le parole.

VI AMO! La mia famiglia italiana*

sexta-feira, setembro 16, 2005

O PARTO

Há partos difíceis, outros mais simples.

Na terça-feira, fui ao teatro. Ao parto. Uma hora em que se criaram expectativas, fecundaram emoções e fodeu-se a lógica. Há dias assim. Passam-se dias, meses...uma vida imerso em lógicas, leis, sinais de trânsito.Tudo organizado, pulido. Ilusões de uma organização que uma hora põe à prova. Chega-se ao fim e, consumado o aborto, renasce a ideia que sempre me perseguiu. Que uma vida, um país envolto em lógica caminha para o cansaço.
Estou cansada, de lógicas, de regras, de sinais. Para mim há só uma resposta ao mundo que é dos homens e da vontade. Há só um sistema...e anárquico (de preferência).

Entretanto aguarda-se pelo dia em que sejamos donos do nosso próprio destino.

(À)Vontade

Hoje!
A dedicação é uma questão de vontade. Da mesma forma que só como quando me apetece, só escrevo quando estou para aí virada. Não acredito em nada que não se faça com vontade. Assim se explicam ausências e demoras.
Se há algo que me vai caracterizando é, aliás, o tempo. Ou melhor a falta de consciência de que ele passa, de que as coisas se transformam. De que amanhã nada disto vai dizer nada de mim...mas por hoje parece-me bem.