A noite veio de dentro, começou a surgir do interior de cada um dos objectos e a envolvê-los no seu halo negro. Não tardou que as trevas irradiassem das nossas próprias entranhas, quase que assobiavam ao cruzar-nos os poros. Seriam umas duas ou três da tarde e nós sentíamo-las crescendo a toda a nossa volta. Qualquer que fosse a perspectiva, as trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que, apesar de a noite também se desprender das coisas, havia nela algo de essencialmente humano, visceral. Como instantes exteriores que procurassem integrar-se na trama do tempo, sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde, num estertor, a emergir intermitentemente à superfície das coisas. Foi nessa altura que a visão se começou a fazer pelas raízes. As imagens eram sugadas a partir do que dentro de cada objecto ainda não se indiferenciara da luz e, após complicadíssimos processos, imprimiam-se nos olhos. Unidos aos relâmpagos, rompíamos então a custo a treva nasalada.*
*Luís Miguel Nava Vulcão I Poesia Completa 1979-1994
Fotografia em deviantART (Only)
sábado, maio 24, 2008
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