Estamos em 2008. Época posso dizer pouco motivante para os profissionais das artes e do espectáculo, assim como profissionais da cultura em geral. Talvez por isso, e nunca por outra razão (pois então nem sequer teria mencionado esta tragédia) me sinto obrigada a aqui anunciar o meu profundo pesar pelos mesmos profissionais. Sem me alongar e não tornando este texto por demais doloroso, passo a explicar.
Ontem assisti ao novo espectáculo do TEP, Eclipse Total de Christopher Hampton, que aborda o relacionamento entre dois dos maiores poetas da França do século XIX, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, símbolos de uma nova arte poética.
Muito não se podia esperar da obra de Hampton que já tem sido sucesso em vários países e com adaptação para cinema, mas ninguém, nem mesmo eu faria prever tal feito.
A peça está construída em vários frames que se separam entre si por momentos ao piano, parecendo tirada directamente de dois dos vários princípios do Kitsch : o da Percepção Sinestésica e o Princípio de Mediocridade.
A cenografia é inqualificável. Um alheamento voluntário dos objectos lembra um cenógrafo tão perdido como o abismo deste eclipse. Um piano na boca de cena gasta todo o palco (talvez também os subsídios) tentando esconder toda a pobreza que se viria a deslumbrar dolorosamente durante as quase duas horas de aniquilação teatral.
O acompanhamento musical de André Ramos disfarça ineficazmente a mudança de cenário que acontece quando o pano cai, para distinguir os vários momentos da peça. Outra vez inqualificável, quando falamos de um teatro profissional que pode até não receber subsídios do Ministério da Cultura, mas tem mais apoios que algumas companhias de teatro espalhadas pelo distrito, que vivem e sobrevivem à custa do árduo trabalho e da profunda convicção de que teatro é um caso muito sério.
Os actores, os jovens actores…perdão…corrijo: os jovens pseudo-actores, pseudo-profissionais perdem em qualidade o tempo que despenderam a decorar o texto (facto único que merece algum, pouco, reconhecimento). Texto, texto, texto, texto…Fábio Alves e Pedro Lamas tal como dois pré-adolescentes decoraram o texto como dois iniciados na arte sexual…acumularam palavras como quem acumula esperma para depois as soltarem num orgasmo pueril para um público boçal que ria a qualquer desgraça deste nosso iluminado Rimbaud que certamente dá voltas no túmulo e encomenda a alma ao diabo de ver tal diarreia “profissional”.
O que parecia uma característica trabalhada para a personagem por Fábio Alves, revelou-se um deficiência do próprio actor (aluno da ESMAE) a quem falta muito exercício de colocação de voz e muito muito muito trabalho de actor, talvez quem sabe numa outra vida, possamos adivinhar um possível projecto de actor.
Pedro Lamas numa inglória tentativa de chocar, defeito de encenação e não do actor, ora se cobria nos lençóis para não mostrar os genitais ora ganhava coragem e lá deixava descair o pano…ganhando velocidade e parando deixando a plateia extasiada por este arrojo de modernidade. Será caso para dizer : Viva a nudez fácil e patética no teatro!! Quando se quer dar ao povo o que é do povo tira-se a roupa e mostra-se a pila (ou ameaça) e vão todos para casa a pensar no herói desnudo…nunca actor mas herói.
Pedro Lamas não tem defeito de actor, pois não estamos diante de um actor. Tem defeitos de timidez corporal das pessoas normais. Como não sabe onde colocar as mãos, coloca-as por um lado qualquer assemelhando-se a uma mistura esotérica de homem elefante, corcunda de notre-dame e jovem sofrendo de paralisia cerebral, sem qualquer desprimor para estes. Como era hilariante descobrir-lhe a mãozita colada na barriga, com os deditos apontando para os pés, o cabelo a sacudir de cada vez que berrava uma frase mais intensa e a cabecita tombada para um dos lados quando adquiria um tom pensativo.
O resto do elenco varia entre o mórbido e um limbo de quem não sabe muito bem o que para ali anda a fazer ou de que se trata o texto, ou quem são aqueles dois jovens que se beijam…pensarão decerto: juventude. Juventude e poetas.
Mas nem tudo é mau…desta parafernália inconcebível de mente-captos que vai desde o encenador aos actores, correndo todos os quadrantes desta triste apresentação, salva-se a irmã de Rimbaud Isabelle. Desconheço o nome da actriz (recusei-me a despender de 1 euro para a aquisição do programa) mas a única que se salva no meio de todo aquele zoológico. Postura exemplar, colocação de voz acertada, interpretação coerente e sábia.
Lamento assim, desta forma, mostrando todo o meu profundo pesar pelas companhias do distrito de quem conheço algum trabalho…trabalho a sério. Que vivem mal, por vezes não conseguem sobreviver num panorama tão árido para a cena teatral quando andam estes fantoches de cabeceira a fazer de conta que são profissionais, a viver à custa de subsídios para nos presentearem com verdadeiro esterco. E se já não chegasse a merda feita ainda tem promoção da GAIANIMA. Deus dá nozes a quem não tem dentes.
Para quem não sabe o circo ainda vai estar montado até 25 de Maio, de quarta-feira a sábado, às 21h45, e ao domingo, às 16h00. Não sei se aconselhe a fugir, a comprar 10 bilhetes e queimá-los numa cerimónia de magia negra ou então oferece-los para um arquétipo do que não se deve fazer em teatro. Depois passem pelas companhias que aqui vos deixo, algumas em risco de fechar, com produções independentes algumas com trabalho demonstrado. Ver artigo obrigatoriamente ler a reportagem aqui.
Quanto ao TEP e ao seu eclipse total declaro que o título foi certamente o mais acertado…vivem-se dias de total eclipse no Teatro Experimental do Porto daquele que foi na década de oitenta um dos percursores da actividade teatral do Porto.
Algumas companhias
As Boas Raparigas vão para o Céu, as Más para Todo o Lado
Teatro Plástico
Teatro Bruto
Teatro Só (já não existe)
MetaMortemFase (já não existem)
Mau Artista
Teatro do frio
Teatro de Marionetas do Porto
Teatro Plástico
Teatro Bruto
Teatro Só (já não existe)
MetaMortemFase (já não existem)
Mau Artista
Teatro do frio
Teatro de Marionetas do Porto
Teatro Tapa Furos
Teatro Universitário do Porto
Visões Úteis
Acaro-Associação Cultural de Artes Organizadas
Assédio-Associação de Ideias Obscuras
Teatro da Palmilha DEntada
Teatro do Ferro
Últimos-Companhia de Teatro Itenerante
Teatro do bolhão
Sintam-se livres para mencionarem as que faltam.
5 comentários:
Peço um pouco mais de atenção ao que dizem, pois o T.E.P. tem recebido dinheiro para as transdisciplinares do Ministério da Cultura. Faltam também as Companhias Panmixia, Tenda de Saias, Erva Daninha, entre outras.
Mas obrigado na mesma por existir quem se preocupe com o Teatro.
Tiago.
Obrigada pela chamada de atenção, sendo assim parece-me que ainda pior.
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Olá Ana Marta.
Queria só deixar uma nota em defesa de alguns pontos exaltados que me deixaram um pouco perturbado: que o Tep seja uma companhia que vive sobre uma história que está perdida e moribunda e que vive às custas de uma imagem que já não produz em concreto nada de teatral, eu concordo. Mas essa critica tão voraz e (devo dizer) de tom irascivel e seguro relativamente à incapacidade de alguns actores, atacando-os, representa, para mim, não só uma afronta disparatada e imoderada como um desconhecimento da grande capacidade que uma estrutura que se define pela mediocridade tem de drenar o espirito e segurança que um actor, seja ele de que estirpe for, tem ao executar Teatro. Não somos autómatos nem super-homens que sózinhos fazem acontecer milagres. Se não tiver espirito de qualidade posso muito bem lutar contra muros demasiado fortes para serem quebrados com excelência.
Não concordo com a "análise" que foi feita às capacidades dos actores. E profetizar carreiras mediocres só revela a pequenez de quem o escreve. Tudo se transforma e nós, sempre que o quisermos.
Daniel Pinto, actor falivel.
Daniel, já não visitava o espaço à algum tempo,fico contente por me teres relembrado.
Concordo com a tua chamada de atenção ao meu tom irascível. No entanto a intenção na altura foi mesmo essa, e custa-me a aceitar que como actor não compreendas.
Na minha entrevista para a ESMAE perguntaram-me qual tinha sido o último espetáculo que tinha visto. 4.48 tinha sido o último. Questionaram-me a tua prestação em determinado momento da entrevista. Como espectadora sou obrigada a formar opniões, ou melhor obrigo-me a formar opniões, só assim crescemos. De maneira que a minha capacidade de avaliação interessou a alguns. Como pessoa critíco, elogio, revolto-me e comovo-me.
Dos longos tempos corridos deste esse espetáculo muitos outros se sobrepuseram, relatando mais memórias ao meu mundo de significados e apesar de tudo não mudaria uma vírgula e não me sinto mediocre, porque sei que quero um país com bom teatro, com bons actores e com companhias devidamente apoiadas e com actores de verdade, que não se ficam pelas teias sombrias do respirar ignoto. Como humano ainda bem que somos faliveis e ainda bem que erramos e que nos é permitido esse erro, mas se nunca for apontado nunca o saberemos. É das críticas que evoluímos, tal como tu já evoluiste e também eu. Não aceito, nem ontem nem hoje que o teatro seja levado tão levianamento como tem sido feito até hoje. Tenho a certeza que não viste o espetáculo porque certamente poderias comparars o grau de empenho que incutes ao teu trabalho e o esforço e noites muito mal dormidas em busca da personagem em relação ao trabalho levado a cabo neste espetáculo.
O teatro é coisa séria e é assim que gosto de o ver. E é assim que gostava que outros profissionais o vissem.
Não somos super homens mas temos um compromisso, em todas as areas de trabalho. Errar sim, sempre, todos os dias, mas quando fores sê inteiro! E estes meninos não o foram. Desculpa Daniel mas foi mau teatro.
Gosto do teu trabalho, agora na qualidade de espectadora novamente, mas tenho visto com bom grado a tua evolução :)
Brindemos ao teatro, ao teatro de Homens a sério, daquele que não nos deixa dormir durante a noite.
Fica bem e obrigada pelas palavras.
Ana Marta Fortuna
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