“É quando um chão de lamase instala e nos comanda
que a injustiça avança
e a raiva se proclama
é quando D.Quixote
o peito acende e brama
irreverente a espada
imorredoura a chama
é quando os homens longe
repousam distraídos
que a cobra traiçoeira
lhes tapará os ouvidos
e a boca e o saber
e a vida tutelar
e o mais que for preciso
para não deixar pensar
mas sopra a barca o vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
da ilha para que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto
que façam mil favores
em crónicas variadas
meus olhos e distâncias
nunca serão compradas
e comam futebol
e mostrai-vos ao mundo
e engulam três novelas
com talnão me deslumbro
ocupados de dia
com a bicha do guichet
entretidos à noite
com a santa mãe TV
matai-vos por um carro
ou para ter lantejoulas
que aqui na minha terra
cavalgo entre papoilas
mas sopra a barca o vento
doutra razão de ser
e rasga o mar e alcança
e rompe e quer viver
da ilha para que rumo
não há qualquer registo
mas diz que viver lá
é muito mais que isto…”
Música e letra de Pedro Barroso
fotografia de Kéa
ana marta fortuna
2 comentários:
Tem que ser, terá que haver mais do que isto. Infelizmente, não raras vezes, somos nós que não deixamos o conforto do sofá para saltar para o campo de papoilas. Habituamo-nos demasiado a viver sem sentir, num ritmo morno e pouco comprometedor. Convém-nos e entretem os outros. O rodopio de uma vida de mentiras é o disfarce ideal para uma vida de constantes enganos. Há dias em que se pede para sentir, chorar, abrir os olhos, a boca, avançar com a mão direita, recuar com o pé esquerdo. Exige-se mecânica, prova-se o sofrimento. Eu não senti e não chorei. Ao meu lado houve tantas lágrimas, tanto dor. Para mim, tudo inócuo. A verdade é que quando nos defendemos todos os dias da dor, ela refugia-se. Esconde-se, abandona-nos na precisa hora em que chamamos por ela. Uma vez mais, só disfarce.
E os campos de papilas são tão bonitos... Fazem adormecer no sonho.
:)
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