segunda-feira, outubro 27, 2008






Finis terrae. 25/10/2008
Há viagens com fim.
O Cabo Finisterra recebe-nos assim. Despido de artifícios, com o sol em debandada e os urros do mar. Há sensações difíceis de explicar. Quase como que um reencontro com tudo aquilo que vamos dissimulando no correr dos dias. Finge-se amar, inventa-se o ser amado, sorri-se a age-se pela circunstância. Tantas vezes nos esquecemos de nós, que o impacto atroz da eminência do fim causa estragos.

O extremo da península alberga o "fim do caminho" para peregrinos intempestivos. A mim soube-me a início. Povoado por lendas e crenças, mais ou menos mágicas, o Cabo Finisterra vive do confronto com a natureza, do horror primitivo da fúria das ondas, do renascer.

O vento cortante que atravessava o final de tarde, o percurso sinuoso e o cair da noite pareciam não convidar a uma visita ao extremo da península. O que será o fim do caminho para os peregrinos de Santiago mostrou-se como uma descoberta, quase que primordial. Há vida ali, num sítio apelidado de Costa da Morte. Não existem artifícios. Sol, terra, pedra dura, o desejo impresso no bater das ondas e duas mãos que se unem. De repente tudo o resto parece nada. A vida encontra-se aqui, precisamente no ponto de chegada.

Há movimentos que reaprendi ali, na vida que roubei ao fim do mundo. O rugido do mar nunca se esquece, a cor do sol continua a aquecer-me nestes dias de chuva. Há caminhadas que se fazem ao contrário. O fim preencheu-me com algo que terá mais a ver com a magia do início, do estremecer do primeiro toque.
Estranhamente, fui ao fim do mundo buscar aquilo que me foge todos os dias aqui, bem no centro do meu mundo e das minhas tão frágeis certezas.

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