domingo, outubro 02, 2005

Havia muito sol do outro lado

Aquilo tornara-se um vício.Ele ouvia um telefone a tocar e logo estendia o braço e levantava o auscultador.
- E se fosse para mim?
Os amigos fazim troça:
- No consultório do teu dentista?
Uma noite estava sozinho, no rossio, à espera de um taxi, quando o telefone tocou numa cabine ao lado. Era no fim da noite e chovia: uma àgua mole, desesperançada, tão leve que parecia emergir do própio chão. Ruben enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
- É claro que não vou atender - disse alto. - Não pode ser para mim. Se atender este telefone é porque estou a enlouquecer.
O telefone voltou a tocar. Não chegou a tocar cinco vezes. Ele correu para a cabine e atendeu.
- Está?
Estava muito sol do outro lado. Era , tinha de ser, uma tarde de sol.
- Posso falar com o Gustavo?
A voz dela iluminou a cabina. Ruben pendou em dizer que era o Gustavo. Estava ali, àquela hora absurda, abandonado como um náufrago na mais triste noite do mundo. Tinha direito de ser o Gustavo (fosse ele quem fosse).
- Você não vai acreditar mas a sua chamada foi parar a uma cabina telefónica.
Ela riu-se. Meus Deus era como beber sol pelos ouvidos:
- Não brinques! ès tu, Gustavo, não és?...
Sim ele tinha o direito de ser o Gustavo:
-Infelizmente não. Você ligou para uma cabina telefónica, no Rossio, eu estava à espera de um taxi e atendi.
Quase acrescentou: "pensei que pudesse ser para mim". Felizmente não disse nada. Ela voltou a rir:
-Tenho a sensação de que esta chamada vai ficar-me cara. Sabe onde estou?
Estava em Pulau Penang, na Malásia, e dali, do seu quarto, num hotel chamado Paradise, podia ver todo o esplendor do mar.
-Nunca vi nada com esta cor- sussurrou- só espero que Deus me dê a alegria de morrer no mar.
ele ficou em silêncio. Aquilo parecia a letra de um samba. Ela começou a chorar:
- Desculpe que vergonha...Nem sequer sei como se chama.
Ruben apresentou-se:
- Ruben, 34 anos, trabalho em publicidade.
Pediu-lhe o número de telefone e ligou utilizando o cartão de crédito. Aquela chamada ficou-lhe cara. Casaram oito meses depois. Ele diz a toda a gente que foi o destino. Ela pelo sim pelo não, proibiu-o de atender telefones.


José Eduardo Agualusa " a substância do amor"

Para os que ainda acreditam em histórias de amor e não tem medo de as viver...
Dimensaooculta

1 comentário:

Anónimo disse...

este texto é muito bonito e realmente abre o sol do outro lado!