terça-feira, abril 08, 2008

Narrativas (entre)cruzadas




Manuel, 4/Março de 2008
20h11

Devias acreditar no que nunca te ocorreu ainda perceber, dizia eu para mim, e dizia tal coisa para te fazer acreditar que era de mim que, tu, um dia, pudesses ouvir tal dizer. E, sim, por isso memorizava, tocava a campainha do cérebro e com o punho tacteava na porta da memória, e até ficava especado à espera, pois queria tanto desejar tanta coisa que ainda não sabia como o fazer. Se pudesse dizer que te conhecia como me conheço, não haveria sequer um segredo que pudesses de mim não perceber, e imaginei então, em ti, um ser especial que, em circunstancia alguma, pudesse existir esse dia em que deixasses de perguntar: O que é que estás para aí a dizer? E foi assim que hoje acordei, a pensar em ti. Ao levantar-me daqui, vi o vasto mundo a contar ao tempo como já se apercebeu de que, num dia a cara metade desse mesmo tempo é meditada no escuro. Chamaram-lhe o sol e a lua, mas eu não percebi a ideia. Era ainda criança quando me vi diferente de tanto do que cá fora se mostra. Ainda não cresci, sabias? Por isso é que devo acreditar no que nunca me ocorreu ainda perceber. Sonhava alto estas frases, mas tinha medo de as soltar. Seriam elas palavras de uma criança para tanta desta gente que, corre à procura de alcançar um qualquer objectivo num sei lá que prazo. É que sei lá eu como crescer? Mas sabia eu recordar-te o que tinha bem fechado na caixinha da memória, sabia, sim, cantar-te devagarinho esta história que tinha para ti destinada...


Mariana, 8/Abril de 2008 19h21

Há histórias que se guardam em segredo, outras em que o pulsar da vontade é tudo o que há para contar. Quando o desejo ocupa o papel principal, o tempo tem esse estranho hábito de morrer preso ao teu toque. O dia está cinzento e a minha história prende-se aqui, num espaço que já foi nosso.

Há dias de Primavera assim. Fugidios e sem réstia de esperança. Não acredito em narrativas entrecruzadas, só numa espécie de encontro. Reencontro-me agora com uma primeira viagem, dispersa em quilómetros e em palavras soltas. As curvas adormeceram, o rio ficou para trás, o teu toque continua a aquecer-me.

Vejo gente mas sempre que estou perdida lembro-me de ti.

Num olhar mais desatento...as nuvens. Cerro o olhar e continuo a ouvir o sotaque francês da mesa ao lado. Há dias em que gostava de acreditar na magia, nas últimas manhãs sinto só uma estranha agonia. Culpa da Primavera, dos outros ou solitariamente minha...
Agora, com o dia dissipado, olho para as mãos e penso que, por vezes, não é assim tão complicado passar verniz colorido pelos órgãos internos. O colorido é coisa que passa, mas enquanto dura é única e visceralmente nosso.

1 comentário:

S. disse...

"Vejo gente mas sempre que estou perdida lembro-me de ti."

é aqui que me cruzo com estas narrativas :)